Meras Imagens...

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Karen Facchinetti

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O Refúgio do "Choro" numa São Paulo Contemporânea




Andar pelas ruas de São Paulo pode causar medo e apatia a muitos diante do emaranhado de pedras, lixo e fome que em que as cidades modernas foram acometidas. Difícil imaginar que em meio ao caos e correria de executivos atrasados, operários saturados e fábricas a cuspir o veneno da imagem contemporânea, exista um respiro de tranqüilidade através da arte.
Em meio à cracolândia, retrato exposto de nosso abandono, basta um pouco mais de calma para adentrar as ruas da boa e velha Luz. Quem sabe um pouco mais de coragem. A verdade, é que caminhando na contramão de uma sociedade aparentemente moderna, onde avanços tecnológicos tornam-se extensão do homem e o mercado se apodera de todas as relações como um cárcere de ferro, é possível resgatar a aura perdida ao encontrar uma boa e tradicional roda de choro, nos fundos de uma loja de instrumentos, que mais se apresenta com ares de templo.
O que acontece nos limites da Rua General Osório é a perfeita fusão entre o belo e grotesco, ao dividir-se num espaço tênue entre a miséria humana e o golpe de ar que nos reanima. Se Baudelaire vivesse nos dias de hoje, contaria a história diferente. O poeta não mais tomaria em suas mãos o halo perdido na porta de um prostíbulo, mas sim, caminharia entre carros e faróis frenéticos da Barão de Mauá, ajoelhando finalmente aos pés de um bandolim.
Assim é possível definir o que acontece todos os sábados naquele espaço. Um grande encontro e comoção diante das músicas e melodias que se tornam silêncio diante da alma. Em uma pequena sala se forma uma roda, onde chorões tocam para a alegria dos visitantes. A movimentação é intensa, pessoas de todos os tipos sentam-se em bancos, entregues, e transportando-se a uma época distinta a que vivem. Velhos, jovens, homens, mulheres, ricos e pobres, negros e brancos, seja lá o que for em que a vida moderna tenha transformado o homem da cidade contemporânea, ali demosntra-se a união de diversos níveis da sociedade, um verdadeiro culto ás tradições nacionais. Um verdadeiro encontro de almas que rezam numa mesma voz.
A roda se apresenta como uma reunião de amigos, onde músicos partilham de improvisações como que numa brincadeira. A tradição de uma cultura nacional, costurada a fios de cobre perpetua-se naquele ambiente. É incrível imaginar que a reunião na casa de músicos negros, mestiços e brancos na época do império, onde a mistura dos ritmos como mazurca, polka e lundu consolidaram a bases do choro, tenha se refletido e reproduzido naquele lugar.
Não se escuta falar em roda de rock, ou até mesmo de jazz. A roda é própria de uma cultura nacional renegada e desconhecida pela maioria de seu povo, que ao contrário de muitas notícias dadas na mídia, perpetua-se em pólos culturais, através da boa amizade, do encontro casual, do convite de alguém. É como se as pessoas ali presentes dividissem um mesmo ideal, e dividem, pessoas que se reconhecem através da música, de uma melodia, de olhares tristes ou até mesmo satisfeitos. É como se dividissem um mesmo refúgio diante dos absurdos que se encontra do lado de fora. É como se dissessem “estamos seguros no mundo em que escolhemos para nós. Este é o mundo que queremos não o que nos arrebata”.
O choro vive nas rodas, nos becos, nas casas onde se sirva um bom cafezinho ou uma boa rodada de cerveja. Reforça-se e renova-se. É um encontro, um refúgio, uma oração. Transgride os poderes dominantes da mídia, que marginaliza a sua própria cultura ao pouco citar o gênero e quando feito, é de maneira equivocada e preconceituosa. Reforça-se a uma ideologia de nacionalismo e preservação do que é nosso e sempre foi. O choro nunca morreu, ou retornou, também não é coisa de gente velha e chata. Prova disso é a observação das pessoas encontradas naquele local.
Ali, a arte, a música é realmente democrática, aberta e libertadora. É a oportunidade dada ao povo de escolher e ser o que realmente somos enquanto brasileiros. Mestiços, negros, índios, brancos, brasileiros
Aquela roda, assim como outras escondidas numa cidade suja e perdida de São Paulo retoma em nós a confiança diante do medo que nos reflete as cidades de uma era contemporânea.


Um comentário:

Marcello Laranja disse...

O Choro é um verdadeiro mutante, não se perde no tempo, quando menos se espera, ele ressurge, firme, forte, harmônico e melódico mais do que nunca. Andar pelo centro velho de Sampa - ainda mais na General Osório - e ter o privilégio de entrar na Contemporânea - que um dia foi do sempre amigo de todos Miguel Fasanelli - é desfrutar de momentos de rara beleza, com aquele som magnífico dos bandolins, cavaquinhos, pandeiros, enfim, de toda essa parafernalha musical que envolve o Choro, primeiro estilo de música popular urbana do Brasil que permanece até hoje. Quem ainda não viu tem que ver, é fácil, é de graça, vá até lá...!

Marcello Laranja (Clube do Choro de Santos)