Meras Imagens...

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Karen Facchinetti

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Garoa do meu São Paulo





Eu vi um pobre que é rico, um rico que é negro, um branco que é pobre. Eu vi um trabalhador de Armani e um empresário que samba no boteco ao lado. Eu vi um intelectual em farrapos dissertando sobre Aristóteles com a pinga na mão. Vi uma senhora hippie, um jovem que ora com o choro da roda naquela estação. E parados ao vidro de um boulevard, sobre as torras de açúcar caídas na xícara, me deparo com os olhos dos pobres e o despeito dos senhores do café. Eu vi um pobre que é rico e um rico que é pobre. Ai garoa, sai dos meus olhos!

Há tempos devia um texto a essas fotos e com mais importância ao Sr. Roberto. Onde será que anda esse personagem vivo de uma São Paulo tão grande e que por vezes nos faz tão miúdos? Muitas vezes me pergunto.

Fotografando um pedaço desvirado de São Paulo, em plena Praça do Correio, tarde de garoa se faz na minha cidade. Meio medo, meio alegria, meia estação. Sabe como é, paulistano que se preze anda ccom o coração nos olhos e muitas vezes na mão. Nas costas já é de praxe.

E com esse sentimento molhado e desconfiado deixei aproximar-se de mim um senhor de meia idade. Todo acanhado e preocupado com minha reação veio devagarinho, no sobressalto, me olhava de longe. Era o Sr. Roberto.

Perguntou-me em qual jornal trabalhava e se havia a possibilidade de lhe arrumar um emprego. Que o que ganhava era pouco, miséria, e que a vida não havia sido generosa com ele. Pediu-me desculpas pela fala embargada, meio no zigue zague. Tinha bebido um pouco.

Apesar disso, aquela voz turva me era doce e sincera. – Eu não quero muito, nada sabe, só quero um emprego descente. Trabalho num fundo de gráfica onde ganho mal e sou tratado ainda pior. Moro num quartinho sujo e não tenho mais família. Eu só quero um emprego. Faço cartões e já ganhei dinheiro com isso. Não me atualizei, me perdi e estou sem rumo. Sei que faço errado em beber. Eu só queria uma possibilidade. Uma vida diferente.

Aquilo tudo me deixou pasma, receptiva, doida, comovida. Como aquele senhor poderia achar que eu arrumaria um emprego a ele? Senti-me impotente diante da minha arte. Queria naquele momento poder mudar o rumo e dizer - o senhor vai ter uma oportunidade de fazer o que sabe. - E de fato ele sabia. Mostrou-me seus trabalhos guardados em uma pasta, disse termos técnicos da área, os quais eu conhecia. Falamos sobre São Paulo, sobre os prédios e ele me contou algumas histórias. Sobre os fantasmas do Martinelli que um dia tão elegante foi.

A chuva já caía forte e nós parados em plena Praça do Correio. A São Paulo imponente já se revelava com a noite. Acho que conversamos durante uma hora. Disse que se um dia pudesse ajudá-lo ligaria. Ele me deu seu número.

Com a confiança selada pedi-lhe uma foto, esta acima que tanto tempo está no meu blog. E que tanto sentido tem para mim, pois olhando ao alto , aquela figura pensava o que seria da sua vida diante dessa cidade sem dó. Atrás dele uma pintura filosófica que questiona nossas relações e nossas responsabilidades diante da dor dos outros. E essas duas imagens fortes sobressaiam numa pintura de concreto. E atrás da câmera, eu, com toda a minha frustração e com toda minha arte, parte de uma sociedade injusta e injustiçada, com o compromisso de ser aquilo que me propus. Seguir a contramão e pagar o preço pelo ideal.

Entendi mais do que em qualquer outro momento a importância der ter uma máquina na mão, da comunicação e da tecnologia. A mídia é o poder, as palavras são o poder, óbvio.Como a usaremos é a questão. É minha forma de ajudar.

Com esses pensamentos despedi-me do Sr. Roberto que não foi para casa, mas sim para o bar. Como julgá-lo? Subi o largo São Bento com a garoa em meu rosto. Olho para trás e admiro as lâmpadas reluzentes de uma São Paulo do século XIX. Parece uma cidade tranqüila, as pessoas cantam num barzinho ao ar livre. Bêbados cantam, homens de terno cantam. Daqui de cima tudo é tão belo! Reflexos de luzes nas poças paulistanas, viro a esquina, moradores de rua fumando crack. Sigo as luzes do Pátio do Colégio. Na esquina o Girondino. Paro por um momento , volto ao largo e embreago-me do meu meu opium. Fotografo todas as luzes de uma São Paulo romântica. Daqui de cima as pessoas me parecem iguais...