Meras Imagens...

Meras Imagens...
Karen Facchinetti

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Amanheceu... Janeiros

É como o vento leve em seu lábio assobiar
A melodia breve lembrando brisa de mar
Mexendo maré num vai e vem pra se ofertar
Flor que quer desabrochar, nasceu
Dourando manhã...
Bordando areia
Com luz de candeia pra nunca se apagar.

Já passaram dias, inteirosJaneiros,
calendário que nunca chega ao fim
Início sim e só recomeçar...

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O Refúgio do "Choro" numa São Paulo Contemporânea




Andar pelas ruas de São Paulo pode causar medo e apatia a muitos diante do emaranhado de pedras, lixo e fome que em que as cidades modernas foram acometidas. Difícil imaginar que em meio ao caos e correria de executivos atrasados, operários saturados e fábricas a cuspir o veneno da imagem contemporânea, exista um respiro de tranqüilidade através da arte.
Em meio à cracolândia, retrato exposto de nosso abandono, basta um pouco mais de calma para adentrar as ruas da boa e velha Luz. Quem sabe um pouco mais de coragem. A verdade, é que caminhando na contramão de uma sociedade aparentemente moderna, onde avanços tecnológicos tornam-se extensão do homem e o mercado se apodera de todas as relações como um cárcere de ferro, é possível resgatar a aura perdida ao encontrar uma boa e tradicional roda de choro, nos fundos de uma loja de instrumentos, que mais se apresenta com ares de templo.
O que acontece nos limites da Rua General Osório é a perfeita fusão entre o belo e grotesco, ao dividir-se num espaço tênue entre a miséria humana e o golpe de ar que nos reanima. Se Baudelaire vivesse nos dias de hoje, contaria a história diferente. O poeta não mais tomaria em suas mãos o halo perdido na porta de um prostíbulo, mas sim, caminharia entre carros e faróis frenéticos da Barão de Mauá, ajoelhando finalmente aos pés de um bandolim.
Assim é possível definir o que acontece todos os sábados naquele espaço. Um grande encontro e comoção diante das músicas e melodias que se tornam silêncio diante da alma. Em uma pequena sala se forma uma roda, onde chorões tocam para a alegria dos visitantes. A movimentação é intensa, pessoas de todos os tipos sentam-se em bancos, entregues, e transportando-se a uma época distinta a que vivem. Velhos, jovens, homens, mulheres, ricos e pobres, negros e brancos, seja lá o que for em que a vida moderna tenha transformado o homem da cidade contemporânea, ali demosntra-se a união de diversos níveis da sociedade, um verdadeiro culto ás tradições nacionais. Um verdadeiro encontro de almas que rezam numa mesma voz.
A roda se apresenta como uma reunião de amigos, onde músicos partilham de improvisações como que numa brincadeira. A tradição de uma cultura nacional, costurada a fios de cobre perpetua-se naquele ambiente. É incrível imaginar que a reunião na casa de músicos negros, mestiços e brancos na época do império, onde a mistura dos ritmos como mazurca, polka e lundu consolidaram a bases do choro, tenha se refletido e reproduzido naquele lugar.
Não se escuta falar em roda de rock, ou até mesmo de jazz. A roda é própria de uma cultura nacional renegada e desconhecida pela maioria de seu povo, que ao contrário de muitas notícias dadas na mídia, perpetua-se em pólos culturais, através da boa amizade, do encontro casual, do convite de alguém. É como se as pessoas ali presentes dividissem um mesmo ideal, e dividem, pessoas que se reconhecem através da música, de uma melodia, de olhares tristes ou até mesmo satisfeitos. É como se dividissem um mesmo refúgio diante dos absurdos que se encontra do lado de fora. É como se dissessem “estamos seguros no mundo em que escolhemos para nós. Este é o mundo que queremos não o que nos arrebata”.
O choro vive nas rodas, nos becos, nas casas onde se sirva um bom cafezinho ou uma boa rodada de cerveja. Reforça-se e renova-se. É um encontro, um refúgio, uma oração. Transgride os poderes dominantes da mídia, que marginaliza a sua própria cultura ao pouco citar o gênero e quando feito, é de maneira equivocada e preconceituosa. Reforça-se a uma ideologia de nacionalismo e preservação do que é nosso e sempre foi. O choro nunca morreu, ou retornou, também não é coisa de gente velha e chata. Prova disso é a observação das pessoas encontradas naquele local.
Ali, a arte, a música é realmente democrática, aberta e libertadora. É a oportunidade dada ao povo de escolher e ser o que realmente somos enquanto brasileiros. Mestiços, negros, índios, brancos, brasileiros
Aquela roda, assim como outras escondidas numa cidade suja e perdida de São Paulo retoma em nós a confiança diante do medo que nos reflete as cidades de uma era contemporânea.


domingo, 24 de outubro de 2010

sexta-feira, 16 de julho de 2010

O frio de Zafón



Da janela, folhas gélidas e secas balançam empurradas pelo vento. Apanham da chuva que gota a gota, zunindo o som corrente do céu, derrama-se pelo concreto, chorosa, corredeira fria de um dia cinzento.

O frio atravessa livre e imperioso pelas grades, soprando baixo contos desconhecidos.Transforma meu rosto pálido, branco, quase que em algodão. Apresenta-se penetrante, navalha que acaricia a pele.

O sopro de uma tarde como esta não assusta, nem ao menos paralisa mãos e pensamentos. Caneta há tempos adormecida.

A penumbra do apartamento acentuada pela falta da luz e pelo eco de um silêncio misterioso convoca-me claramente a recolher-me entre tintas e papéis, acolhida pelo bolo das cobertas retiradas de uma gaveta esquecida no canto da inspiração.

Longe da ânsia, dos medos, fobias que a vida me impõe, obrigo-me e sou obrigada a encontrar-me com o encantamento. Voar é preciso. Sonhar é inevitável.

Adentro um caminho emoldurado pelas curvas de uma Barcelona misteriosa, onde ruas, postes e neblinas compõem um cenário regresso de almas que iluminam. Espectros e rastros de vidas que se perpetuam através de histórias.

Em muitos momentos como este, arrebento o vidro cruel da realidade e me lanço numa fotografia qualquer. Revivo o passado que em mim habita. Despenco as escadarias de um templo escondido onde o calor dos livros me traz o fôlego da existência.
Comparo dias e noites, ventos e sombras.

Sigo o reflexo molhado dos faróis dos carros, que envoltos por camadas finas de gelo, transformam a morbidez melancólica da cidade num palco de nuances, riscando a escuridão do inverno em amarelos e vermelhos intensos.

Frios de Zafón me acometem de um movimento, no qual a arte é refúgio para dias difíceis.Frios de Zafón me levam para qualquer lugar de uma São Paulo embevecida pelas diferenças, onde pessoas ganham contrastes carregados de claro e escuro numa composição contraditória e perfeita.

Dias como este nunca chegam só. Soam latente o som de violoninos e acordeons, pungentes na antítese de um tango de Piazzola, cravando personagens entre o doce e o trágico. Transformam a vida numa gravidade pontual.
Dias assim me atropelam de admiração na ausência dos risos frouxos de um verão gotejante.