Meras Imagens...

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Karen Facchinetti

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

A morte do sentir


Tudo o que é sólido se desmancha no ar, tudo o que é, já foi, tudo o que se sente tem um valor monetário e mascarado por valores morais e do ser. Marshall Bergman através de Marx faz um grande sentido hoje para mim ao trazer a discussão que atravessa épocas sobre um processo de “modernização” tão atual e tão presente em nossas vidas. Hoje, tudo se transforma em segundos, troca-se de roupas, de gostos, de valores e de amores no frenético ritmo dos meios de produção. Pois bem, o destino sabe o seu caminho. A um mês fui à Pinacoteca atraída pelo ar romântico e cultural que existe ali. Entrei sem grandes pretensões, mas embriagada pelo sentir, pela simples vontade de conhecer aquilo que para mim é uma grande felicidade. O espaço estava repleto de pessoas, muitas delas. Eu sei, talvez esta minha forma de me referir a elas, as pessoas que transitavam, seja uma maneira de me diferenciar, e seja lá isso mesmo.Vou me explicar.Em uma das áreas havia a exposição Tensão Sobre a Calma, de Arnaldo Pappalardo. Não me lembro bem agora quantas, mas estavam espalhadas imagens enormes de pontos da cidade de São Paulo, estas individuais em preto e branco deviam ter uns seis metros de altura. Lindíssimas, produziam uma certa agonia e solidão diante das noites de uma cidade adormecida. A impressão é que se podia participar daquela cena, o tamanho das imagens impressionava. E talvez seja essa uma das explicações para o que as pessoas faziam naquele momento.Muitas delas posavam ao lado das imagens para fotografias. Famílias paravam, amigos paravam, namorados paravam. Observei que não havia uma santa alma que se colocasse de frente as imagens, que respirasse por um segundo o entender de uma obra alma, além do que aquilo podia lhes entreter. Se não possível a observação, ao menos o sentir. E é nesse sentido que me refiro “aquelas pessoas”. Eu ali, frente aquela admirável dicotomia sentia-me diferente.A grande impressão que tinha daquilo tudo, é que aquele lugar não se tratava de um museu, mas sim de um parque de diversões. Que tirassem fotos, eu também gostaria de fazê-las, mas que não fosse o primordial. Também não coloco em questão a minha visão, pois ninguém é obrigado a tê-la, mas no mínimo sensibilidade e respeito.As pessoas estão esquecendo-se de sentir, de enxergar. Aposto que muitos baixaram sua fotos orgulhosos da bonita composição pela qual a obra permitia, uns abraçados e fazendo caretas, outros com seus filhos nos ombros, mas muitos sem entender ao menos o título. Sem o título, ao menos o sentir. Sei que não sou ninguém para julgar o sentimento alheio, mas se estivesse comigo saberia de qual semiótica aquilo se referia. E a leitura daqueles gestos não decodificavam nada além do entretenimento. Do ser através do ter. E diga-se a verdade, através da fotografia, da compulsão à felicidade, do atirar para eternizar, arrancar o que não se pode ter. E é nesse simples exemplo que se mostra exposta as duas faces da tecnologia e do sentir moderno pelo homem moderno. Um sentir que é ter, e um ter que se torna existir. Tudo ficou tão fácil e banal que máquinas são comuns, fotos são comuns, imagens são comuns, pessoas são comuns. Viver tornou-se um verdadeiro hábito, morrer uma grande diversão. Vamos pisar em tudo o que o que nos dê o sentir, matemos para sorrir, afinal a vida está um tédio, não é mesmo? Arte para quê?